sábado, 27 de novembro de 2010

O namorado da viúva do promotor

A maioria das pessoas contratantes de empréstimo sob penhor de joias é formada de mulheres. E a maioria das mulheres são professoras. Mas isso é, apenas, um dado estatístico, pois homens também fazem penhor.
Assim, sentou-se em minha frente um senhor alto e com volumosos cabelos brancos. Muito conversador. Ao entregar-me a cédula de identidade percebi, de pronto, a data de nascimento: junho de 1922.
Enquanto refletia sobre a vida e o tempo o senhor de descendência germânica sofria para retirar a aliança e o anel do dedo. Naquele meio tempo em que eu estava no “La pucha que o tempo passou ligeiro” e fazendo contas futuras o cidadão continuava com grande e insuficiente esforço para retirar a aliança e o anel do dedo. Fez uma pausa – já estava com o rosto vermelho – e contou que, certa feita, quando trabalhava numa joalheria, na esquina da Floriano com a Bozzano, um funcionário inventou de botar uma aliança no pinto. Uma senhora da alta sociedade obesa da cidade havia encomendado e fazia mais de semana e não viera buscar. Então, de sacanagem, o colega botou a joia no pinto. Só que não conseguia tirar a aliança do seu membro e por acaso e coincidência a senhora adentra na joalheria. O guri suava por todos os poros e a aliança lá.
– A madama aguardando no balcão e o guri com o anel da velha no pinto. E não conseguia tirar. Sobrou para mim, tive que cortar. O anel, o anel. Bem entendido? – e soltou uma gostosa gargalhada.
– E a senhora da sociedade burguesa não ficou enfurecida com a demora?
– Da sociedade obesa – corrigiu e continuou. – Sem problemas a madama – ele falava madama – veio buscar no outro dia. Ontem, assistindo o jornal e vendo aquela confusão do trafico de drogas no Complexo do Alemão. Lembrei que eu fui um alemão complexado por conta do corte do anel no pinto do Zé. Até hoje eu sonho com o pinto do Zé. Tu já cortou o anel no pinto de alguém?
– Nunca!
– Experimente e vai acabar no psicanalista.
Chamava-se Schneider um alemão bem-humorado. Se é que se pode achar um alemão bem-humorado. Mas ele estava ali em minha frente. De repente deu um sorrisinho maroto. Levantou o braço. Pensei em ouvir em seguida o “Hai Hitler”, mas o que vi foi o seu Schneider retirar tranquilamente com a mão direita o anel e a aliança.
– Não conhecia essa hein?
– Essa simpatia de levantar o braço? – respondi perguntando.
Antes de ser taxado de idiota pensei “claro o sangue desce e o dedo fica mais fino”.
– Essa simpatia quem me ensinou foi um colega, o mesmo da aliança no pinto...
– É uma coisa impressionante... – comentei.
Entregou-me as joias dizendo que o anel estava no dedo dele há mais de 40 anos. Fiz o cálculo e a avaliação ficou em pouco mais de duzentos reais. Se no mundo existe um idoso, alemão, humorado e conversador, essa pessoa, mais dia, menos dia, faria um penhor comigo. Isso é lógica! A lógica do penhor é claro.
O senhor Schneider divagou pela sua longa existência enquanto avaliava as joias.
– O senhor está com...
– 88 anos bem vividos. Caminho, vou a baile, danço e namoro bastante – e soltou outra estrondosa gargalhada.
Uma velhinha que estava logo atrás fez uma cara de quem não gostou do alemão. Estava escrito em sua testa: velho devasso.
Mas o seu Schneider – que me lembrou um antigo goleiro do Internacional – continuou com seu relato. Falou que tinha uma namorada 30 anos mais nova. “Pronto, é agora” pensei.
– Ela que me ensinou a dançar tango e chamamé. É viúva de um promotor e cheia da grana. Mas hoje estou fazendo um penhor para comprar remédios. Sabe como é né. Vou comprar uns gremistinhas...
– Gremistinhas? – perguntei.
– Aqueles azuizinhos. Tenho encontro hoje com a viúva do promotor.
A velha atrás quase subiu pelas paredes. Mas percebi nos olhos dela um certo interesse pelo alemão. Só não entendi o porquê do penhor se a viúva do promotor era cheia da grana. Mas o fato é que seu Schneider botou a grana no bolso e foi direto para a Panvel.