sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A velhinha e o americano

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

Alguns clientes são habitués no penhor. Aqueles que aparecem em dias de chuva, têm os contratos mais antigos e são os mais extrovertidos. Mas as velhinhas viúvas, simpáticas, sorridentes e bem-humoradas estão no topo da preferência. E foi uma delas que sentou em minha frente. E não era dia de temporal.
O período era de um inverno de renguear cusco, meio de mês e pouco movimento na agência. Eu não devia escrever que havia tomado um cálice de vinho tinto no almoço, mas o fato é que eu havia tomado um cálice de vinho tinto no almoço. E por conta desse cálice de vinho estava acometido de uma lombeira.
Ao cumprimentar a velhinha com um sonolento “boa tarde” ofertei um longo e relaxante bocejo. Não teve dúvidas e a velhinha bocejou de volta. Diante do bocejo da velhinha outro bocejo meu.
– Para de bocejar! Senão eu também não paro – afirmou sorrindo. – Estamos como dois boca abertas.
E os bocejos se intensificaram. Eu bocejava daqui a velhinha bocejava do outro lado do balcão. E sorria – bocejando – pedindo que eu parasse de bocejar. Chegou a tal ponto que nem olhava mais para mim. Me entregou os documentos olhando para o guichê da colega ao lado. Eu chorava de rir do jeito da velhota. Entreguei a renovação e um bocejo e a velhinha saiu rapidamente do guichê. Bueno, como estou falando em bocejo nessa crônica é evidente que estou bocejando nesse momento... e me lembrando da velhota.
A velhinha saiu resmungando alguma coisa entre um bocejo e outro, quando um cidadão de uns dois metros de altura me entrega um papel e permanece em pé num silêncio absoluto. Verifico o documento e vejo que é um cheque viagem de U$ 500,00. Sem saber o que fazer com aquilo, pedi que aguardasse alguns minutinhos que iria verificar com o gerente. Imaginei que ele estava enganado, a coisa não era com a Caixa, mas, enfim, não custa buscar informação. Voltei e expliquei que deveria se dirigir ao Banco do Brasil para fazer a troca. E falei que a Caixa não tinha esse tipo de serviço e que ele estava no penhor. Também expliquei o que era penhor e blábláblá.
– I do not speak português – falou essa única frase para espanto meu depois de ter gasto todo o verbo em explicações.
Pensei em responder “Yo también no hablo português”, mas seria maldade com o americano. Não fazia a menor idéia de como encaminhar o gringo para uma agência do Banco do Brasil, quando a velhinha que bocejava retorna.
– Eu falo inglês. Fui professora de língua estrangeira no Manoel Ribas. Fui professora do atual prefeito – falou cheia de importância.
Sorri satisfeito, só no penhor para se encontrarem um americano, que não fala português, e uma ex-professora de inglês do velho Maneco.
E foram os dois em altos papos – no idioma de Obama – até o elevador. Ela se volta e me olha, boceja, sorri e some elevador adentro.
Lógico, eu também bocejei e percebi que não havia autenticado a via da velhinha.