sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Apolinário Ernesto Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Consta que uma senhora moradora do Havaí tem problemas com seus documentos por conta da extensão do nome. A dona Janice Lokelani Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele tem um nome muito extenso para constar num documento, a sua carteira tem espaço somente para o impronunciável Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele sobrenome que adquiriu quando se mudou para a ilha e casou com um nativo. Parece que o nativo se chamava José da Silva Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele.
O problema é que na carteira de motorista tem espaço para 34 caracteres, assim não constam os primeiros nomes e somente o sobrenome com uma letra a menos. Ao invés de Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele fica somente Keihanaikukauakahihuliheekahaunael. Perceberam a diferença? E um guardinha de trânsito, astuto, resolver encrencar com a moça e essa encrenca virou notícia na rede.
Bueno, como dizia o índio lá de fora antes de começar um causo. Mas o fato é que a senhora Janice Lokelani Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele tem um cunhado e esse cunhado mora em Santa Maria. E, claro, tinha umas joias importadas de Miami e acabaram nos penhores da Caixa.
Foi num final de uma dessas greves de calendário. No primeiro dia de retorno um cidadão, acompanhado de duas crianças, chegou com uma dúzia de moedas de ouro. Dólares americanos. Coisa rara no penhor. Mas encaramos a tarefa. Então, o senhor bronzeado e melenudo Apolinário Ernesto Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele, acompanhado de duas crianças bronzeadas e melunadas, me alcançou seu documento. E eu pensava que tinha nome grande...
Evidentemente, não me atrevi a pronunciar seu sobrenome e “dedografei” letra por letra para o cadastro e encerrei a operação. Mas aquele nome ficou matutando em meu pensamento. Como é que se pronuncia esse troço? Perguntei e o seu Apolinário sorriu e falou que se eu não perguntasse a pronúncia do nome seria o primeiro desde que chegou a Santa Maria. Pois eu contei até dez antes de perguntar. Ele falou em alto e bom som, duas vezes, mas pouco adiantou. No entanto, a minha curiosidade era outra. Eu gostaria de ver os documentos das crianças. São seus filhos?
Então o seu Apolinário me alcançou a identidade dos filhos.
João Völkerwanderung Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele e Joana Völkerwanderung Keihanaikukauakahihuliheekahaunaele. Diante da minha cara de espanto falou.
– Casei com uma alemã.
E saiu contando as inúmeras notas de cem reais, pouco preocupado se tinha alguém observando.
Coitado do mestre de cerimônias na formatura dos pirralhos... fiquei imaginando.

domingo, 12 de maio de 2013

As pernas brancas da coroa



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Os bancos têm um excelente sistema de informatização. Mas quando não funciona, o transtorno é grande.
Era uma sexta-feira de um agradável maio em uma movimentada feira do livro. Cheguei por volta das 10:30h e o cartaz na porta de entrada era o mesmo do dia anterior: “sistema fora do ar”.
– Não sei se vai cumprir, mas o dia promete! – entrei na agência.
15 horas.
Já havia feito um curso na Universidade Caixa, arquivado uns contratos liquidados, feito uma limpeza geral nas gavetas – os dias em off são propícios a tais limpezas – e a agência “Mortinha da Silva”, totalmente paralisada. O sistema ainda não tinha dado o ar da graça. Por certo, estava prolongando o final de semana.
Como sempre carrego um livro, aproveitei o tempo e comecei a leitura de “69/2 Contos Eróticos” uma coletânea de 2006 da editora Leitura.
Lendo os contos eróticos e o sistema não entrava. Li 57 páginas. (Eu pensei em colocar que li 24 ou 69 páginas – números de páginas mais condizentes com um livro erótico –, mas seria lugar-comum).
– É aqui o penhor? – uma senhora grita da porta do elevador, interrompendo minha leitura.
– É – assenti com a cabeça. – Se a agência está fechada como essa louca entrou? – falei baixinho.
Ela se aproximou. Uma coroa... bem coroa, mas com tudo em cima. Ou melhor, quase tudo em cima.  Deveria ter sido uma loiraça de parar a rua do Acampamento quando ainda não havia o Buraco do Behr. Usava um vestidinho justo e extremamente preto que deixava à mostra suas belas pernas extremamente brancas. Tudo bem, não eram tão belas as pernas extremamente brancas. Portava todas as espécies de joias constante nas descrições do Sipen – Sistema do penhor –, anéis, brincos, colares, pulseiras, pendentes, mas não havia uma aliança no dedo. Eu não vi, mas acho que pela estampa deveria ter tornozeleiras e piercing no umbigo. O motivo de estar no setor do penhor num dia que a agência estava fora do ar era, justamente, a aliança e ela ser cliente do empresarial...
– Me divorciei e gostaria de penhorar essa maldita.
A aliança pesava exatos 1,2g. O que vou dizer para uma perua que está em minha frente com meio quilo de ouro no corpo e me alcança uma aliança de 1,2g? O óbvio.
– Não dá penhor – e me lembrei do Idevanio, EMNDP [*].
– Vou te contar a história dessa aliança – como se eu estivesse interessado.
E eu estava interessadíssimo. Imagina! Uma sexta-feira com sistema inoperante e faltando poucos minutos para encerrar o expediente. Tudo o que eu queria saber era a história da aliança de uma extrovertida coroa com as pernas à mostra. Mas ela contou a história da aliança, o noivado, casamento, lua de mel, 13 anos de casório e o divórcio. E eu só balançando a cabeça em sinal de afirmação. Concordando com o rosário da perua e louco para voltar a ler o livrinho de contos eróticos.
Quando eu respondi pela quarta vez que a aliança não dava penhor ela levantou abruptamente e saiu, com expressivo rebolado, do recinto do penhor.
Volto para o livro, mas aí já estava na hora de fechar o caixa. E ir tomar um cappuccino no Café Cultura da feira.
Estou absorto folheando o livro “A razão dos amantes” do chileno Pablo Simonetti, quando sou surpreendido na mesa ao lado por umas pernas extremamente brancas de uma coroa. E ela folheava “69/2 Contos Eróticos”.


[*] Esta merda não dá penhor.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A colecionadora de maridos



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Era uma sexta-feira. Estava atendendo uma velhota pela quinta vez na semana, ou seja, ela veio ao penhor todos os dias e sempre a primeira a ser chamada. Ela consegue entrar antes da abertura da agência e fica nos olhando com aquela cara de tacho... ou de bunda, não sei.
O fato é que a segunda pessoa a ser atendida era uma loira. Não uma loira qualquer. Uma senhora loira, loiraça. Tinha os cabelos curtos estilo Rainha dos Baixinhos e um olhar inquieto. Estava com um minúsculo short preto e uma camiseta branca. Usava aparelho ortodôntico verde que fazia uma combinação perfeita com os olhos. Nada de brincos, pulseiras e colares. Somente um solitário no anelar da mão esquerda.
Isso tudo aguardando para ser atendida e uma velhota me embromando no guichê com uma montanha de quinquilharias para serem avaliadas. Até uma medalhinha do Papa João XXIII ela trouxe.
Consegui despachar a intragável e persistente senhora e chamei a segunda senha. Blim-Blom. E um belo par de pernas bronzeadas veio em minha direção. Devo confessar: ouvi o barulho das ondas do mar de Bombinhas.
Colocou sete alianças sobre a bancada.
– Deve ser de ouro... ganhei e usei como se fossem de ouro. Todas de ex! – sorriu.
Comecei a análise das alianças e, lógico, ler as inscrições internas dos nomes dos ex-maridos: Claudio, Ricardo, Gevinaldo, Bocão, Valdinho, Athos – um tocaio, bem entendido –, e Botão. Fiquei imaginando o perfil do Botão e a esperteza dos pais com o pobre do Gevinaldo.
– Uma coleção de alianças – comentei.
– Uma coleção de maridos. E a fila anda... já tenho 10 anos de casada e sete ex-maridos. Essa aí, ó – e apontou a aliança mais fininha – durou exatos dois meses. Era uma anta quadrada.
Por fim comentou que o atual marido preferiu dar um anel com solitário de 90 pontos e não quis saber de alianças. E que não deveria tirar do dedo. Mostrou o dorso da mão com o solitário.
Então, comuniquei que ela levaria algo em torno de R$ 800,00 pelas sete alianças.
– Oitocentos para mim? – e apontou com o indicador o próprio peito.
– Líquido. Os juros já estão descontados, agora pode comprar um presentinho para agradar o oitavo e atual marido – falei e pedi para confirmar o prazo de 30 dias.
– O atual marido mora em BH e o presente que ele está prestes a levar é uma galhada na testa se continuar dando uma de mineirinho quieto.
Pegou a grana e deu um tchauzinho – aquele tchauzinho que se dá apenas com os quatro dedos da mão – virou-se e saiu.
Eu fiquei pensando que nas próximas semanas faria um penhor de um solitário de 90 pontos...