Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Que culpa tem uma jovem loirinha que chega cheia
de dúvidas no penhor? Claro, ela desconhece que é o primeiro dia de retorno das
férias do avaliador e que uma segunda-feira sempre o andamento é diferenciado.
O dado favorável era o meio de mês e o penhor não é o local mais tumultuado de
uma agência bancária. Então, não culpemos a segunda-feira e a volta das férias.
Prefiro uma conjunção de astros.
Uma simpática loirinha de cabelos lisos posta-se
em minha frente portando dois contratos de penhor com vencimentos para trinta e
sessenta dias, respectivamente. Imaginei um atendimento simples e sem rodeios. Tiro
dado, bugio deitado. Como diz o grosso de Bagé. Mas as coisas não são como
imaginamos.
Chamava-se Maura, Maurinha para os amigos e já
me enquadrou como amigo. E comentou que desejava renovar os contratos da mãe.
Ela, apenas, emprestava o nome, pois dona Matilde não podia sair de casa. Estava
se recuperando de um grave acidente de carro.
Obviamente, expliquei que não havia necessidade
de renovação porque os contratos não estavam vencidos. Tudo em dia e com prazo
para abril e maio. Mas ela insistiu: queria quitar um dos contratos e refazer
um novo penhor, com o dinheiro desejava quitar a outra dívida. Quando ela falou
isso percebi que a conversa seria complicada. Esse jeitinho não se enquadra nos
juros, taxas e empréstimos bancários. Então, comecei a explicar que ela tinha
duas dívidas e não havia como fazer mais dinheiro com as mesmas joias de um mesmo
contrato para quitar o outro. Pelo olhar dos olhinhos verdes e do beicinho
caído de Maurinha, foi fácil perceber que ela não havia entendido nada. Refiz a
explicação com um pouco mais de didática, mas tudo foi em vão. O penhor não era o
mundo de Maurinha.
– Posso ligar para minha mãe? – e foi digitando
o número no celular.
O diálogo de Maurinha com a senhora sua mãe foi
algo de invejar algum ficcionista de literatura fantástica. Resumo da ópera: me
alcançou o celular para que eu falasse com a verdadeira dona das joias.
– Ë o moço do penhor? – são nessas horas que
fico lisonjeado. A palavra moço tem essa capacidade.
– Sim, o que a senhora deseja fazer?
Logicamente que fiz toda a explicação feita à
Maurinha. E, logicamente, a mãe de Maurinha também não entendeu.
– O senhor pode falar com o meu marido, ele pode
explicar melhor o que desejo fazer no penhor.
– Claro.
Alguns segundos se passaram e uma voz grave
atende.
– É do penhor?
– Sim, Caixa Federal, penhores. O que o senhor
deseja?
Mais uma vez refiz a explicação acerca dos
contratos e conclui dizendo que a melhor maneira seria não fazer nada, salvo se
quisessem resgatar, inclusive teria um desconto no juro pelo pagamento
antecipado.
– O senhor pode passar o celular para a minha
filha?
– Claro – e alcancei o celular à Maurinha. E
comecei a contar os 150 botões de uma imaginária bombacha.
– Mãe!
Novamente passaram-se alguns segundos e a
loirinha não se conteve.
– Pai!
Comecei a divagar.
Quando a coisa não anda, a melhor maneira de
encarar é abster-se da coisa. Olhar a coisa de um outro modo e, se possível, de
um outro mundo. Distante. Então, fiquei imaginando quem seria o autor da frase
“para que simplificar se a gente pode complicar”. Ou então, como seria uma
reunião da família para discutir o roteiro de uma viagem...
– Moço! Moço! – voltei à Terra nesse instante.
– Hein!
– Eu volto amanhã...
Foi nesse momento que verifiquei meu saldo de Ausências
Permitidas de Interesse Particular. Santa Apip!