sábado, 30 de abril de 2011

Six Six Six

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

O dia 06.06.2006 poderia ser um dia qualquer em uma terça-feira perdida na década. Alguém, distraidamente, comentaria algo se reportando ao 09.09.1999 ou o 08.08.1988.
Essas datas são inesquecíveis. Os místicos adoram essa sequencia lógica de números. Se reduzirmos para 06.06.06 fica mais plástica, uma data que desce redondo. Reduzindo-se ainda mais, ela fica alarmante: 666.
Naquele dia o amanhecer foi nublado. Um prenúncio de temporal. Pelo menos foi assim que eu enxerguei aquela manhã em Santa Maria.
Quando fui manobrar o carro para sair da garagem, raspei o para-lamas no marco da porta da garagem. Coisa que jamais havia acontecido. No deslocamento para o serviço quase atropelei duas freirinhas na faixa de segurança por pura desatenção minha. E chego no penhor rengueando por conta de um tombo no umedecido hall da agência.
“Eu deveria voltar para casa e ficar quietinho esperando o dia passar”. Pensei antes de dar bom dia aos colegas.
No penhor reinava a normalidade, claro, até chamar a primeira senha para atendimento. O dia anterior havia encerrado com o número 65. Então, chamei naquele dia 06.06.2006 a senha 66. E essas coincidências sempre dão um causo.
O cidadão se aproximou com a maior calma do mundo. Estava todo de preto e de óculos escuros. Colocou sobre o guichê seis cruzes, seis garfinhos tridentes e seis foicezinhas, tudo em ouro 22 quilates. E eu fiquei imaginando quem seria louco suficiente para fazer foicezinhas de ouro. Ainda se fosse um comunista convicto – e rico – vá lá. Mas aí faltariam os martelinhos de ouro? Nesse instante lembrei do carro amassado.
Comecei a ficar alarmado com aquelas cruzes, garfos e foices quando o cliente tira os óculos e o vermelho de seus olhos faíscam na minha retina.
– Conjuntivite – falou diante do meu espanto e me alcançou a carteira e o CPF.
Pelo visto as unhas também estavam com conjuntivite, pois tinham um vermelho intenso e não era pintura.
A data de nascimento nem vou comentar, é possível imaginar, mas o nome dizia tudo. O cara se chamava Gorgo Six Six Six da Silva Silva. Filho de Hóstio da Silva e Maria Baphomet da Silva.
Aquela montoeira de “s” deixava o nome mais horripilante, mas havia um Hóstio e uma Maria para dar um resquício de normalidade. Mas foi apenas um resquício. Tentando aparentar tranquilidade fiz uma indagação sobre o nome Hóstio de seu pai.
– Meu avô era muito cristão – falou secamente.
Só fiquei curioso para saber como seriam os nomes dos filhos do Gorgo. Mas eu não iria fazer essa pergunta.
Fiz a avaliação que ficou em pouco mais de R$ 2.000,00 e que para um prazo de trinta dias dava liquido a quantia de R$ 1.666,66. E eu não acreditava no que via na tela do computador. Quase caí da cadeira.
Entreguei a grana ao vivente – naquelas alturas eu estava em dúvida se o individuo era vivente ou se era morrente – e, prontamente, desejei uma boa semana. Estava ansioso, pois o cara poderia querer me propor um pacto. O Gorgo leu meus pensamentos.
– O senhor quer ser um homem rico e ter todas as mulheres que quiser? – falou num tom sinistro.
Percebendo que meu estado emocional estava abalado, sorriu e não esperou a resposta.
“Não, dessa vez, não. Eu fora”. – pensei e sorri amarelo.
O meu silêncio disse tudo, mas quando Gorgo voltar para fazer a renovação eu posso mudar de ideia. Afinal, nós não tratamos em cifras.

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