domingo, 12 de maio de 2013

As pernas brancas da coroa



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Os bancos têm um excelente sistema de informatização. Mas quando não funciona, o transtorno é grande.
Era uma sexta-feira de um agradável maio em uma movimentada feira do livro. Cheguei por volta das 10:30h e o cartaz na porta de entrada era o mesmo do dia anterior: “sistema fora do ar”.
– Não sei se vai cumprir, mas o dia promete! – entrei na agência.
15 horas.
Já havia feito um curso na Universidade Caixa, arquivado uns contratos liquidados, feito uma limpeza geral nas gavetas – os dias em off são propícios a tais limpezas – e a agência “Mortinha da Silva”, totalmente paralisada. O sistema ainda não tinha dado o ar da graça. Por certo, estava prolongando o final de semana.
Como sempre carrego um livro, aproveitei o tempo e comecei a leitura de “69/2 Contos Eróticos” uma coletânea de 2006 da editora Leitura.
Lendo os contos eróticos e o sistema não entrava. Li 57 páginas. (Eu pensei em colocar que li 24 ou 69 páginas – números de páginas mais condizentes com um livro erótico –, mas seria lugar-comum).
– É aqui o penhor? – uma senhora grita da porta do elevador, interrompendo minha leitura.
– É – assenti com a cabeça. – Se a agência está fechada como essa louca entrou? – falei baixinho.
Ela se aproximou. Uma coroa... bem coroa, mas com tudo em cima. Ou melhor, quase tudo em cima.  Deveria ter sido uma loiraça de parar a rua do Acampamento quando ainda não havia o Buraco do Behr. Usava um vestidinho justo e extremamente preto que deixava à mostra suas belas pernas extremamente brancas. Tudo bem, não eram tão belas as pernas extremamente brancas. Portava todas as espécies de joias constante nas descrições do Sipen – Sistema do penhor –, anéis, brincos, colares, pulseiras, pendentes, mas não havia uma aliança no dedo. Eu não vi, mas acho que pela estampa deveria ter tornozeleiras e piercing no umbigo. O motivo de estar no setor do penhor num dia que a agência estava fora do ar era, justamente, a aliança e ela ser cliente do empresarial...
– Me divorciei e gostaria de penhorar essa maldita.
A aliança pesava exatos 1,2g. O que vou dizer para uma perua que está em minha frente com meio quilo de ouro no corpo e me alcança uma aliança de 1,2g? O óbvio.
– Não dá penhor – e me lembrei do Idevanio, EMNDP [*].
– Vou te contar a história dessa aliança – como se eu estivesse interessado.
E eu estava interessadíssimo. Imagina! Uma sexta-feira com sistema inoperante e faltando poucos minutos para encerrar o expediente. Tudo o que eu queria saber era a história da aliança de uma extrovertida coroa com as pernas à mostra. Mas ela contou a história da aliança, o noivado, casamento, lua de mel, 13 anos de casório e o divórcio. E eu só balançando a cabeça em sinal de afirmação. Concordando com o rosário da perua e louco para voltar a ler o livrinho de contos eróticos.
Quando eu respondi pela quarta vez que a aliança não dava penhor ela levantou abruptamente e saiu, com expressivo rebolado, do recinto do penhor.
Volto para o livro, mas aí já estava na hora de fechar o caixa. E ir tomar um cappuccino no Café Cultura da feira.
Estou absorto folheando o livro “A razão dos amantes” do chileno Pablo Simonetti, quando sou surpreendido na mesa ao lado por umas pernas extremamente brancas de uma coroa. E ela folheava “69/2 Contos Eróticos”.


[*] Esta merda não dá penhor.

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