Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Trazia um surrado estojo de instrumento musical.
Bem menor do que um violão. Vi logo que se tratava de violino e fiquei
imaginando o que falar para o músico sobre essa impossibilidade de penhor.
Diante do meu “bom dia” teve algumas incertezas.
Segundos em silêncio. Estava indeciso sobre abrir o estojo.
Acabou com o impasse silencioso falando que portava
um violino raríssimo. Estava precisando de dinheiro – as contas todas atrasadas
e culpou o governador – e para pagar as dívidas trouxe o violino para o penhor
da Caixa. Era uma raridade em Santa Maria, talvez o único no Rio Grande do Sul.
Avaliado em milhões de reais.
Agora ele vai me dizer que tem um Stradivarius
herança do bisavô – pensei.
– Eu trouxe um Stradivarius para avaliação – errei
o bisavô.
Se o cara tem realmente um Stradivarius fiquei
imaginando qual a desculpa para não aceitar tamanha raridade no penhor. Então,
ele me alcançou o instrumento. Comecei a olhar minuciosamente a procura de um
“contraste”. Nada que identificasse a origem, a bem da verdade eu não sei se um
Stradivarius tem alguma identificação. Mas, de qualquer sorte, procurei...
Era um violino bem judiado. Em alguns lugares estava
bastante esfolado pelo uso. Não imagino como seja um Stradivarius, mas aquele
violino não era um exemplar feito pela família Stradivari. Se fosse, seria um
Stradivarius made in China via Paraguai.
A minha fisionomia de desapontamento fez com que
ele denunciasse a verdadeira história.
– É uma réplica. Mas vale uns 200 mil.
Quem sou eu para discordar. E devolvi o violino
dizendo que não penhorávamos instrumentos musicais.
Então, ele tirou a aliança do dedo.
– Vamos ver se com ela eu consigo a grana pagar a
conta da luz. O aviso de corte já chegou.
Para sorte do vivente e para não estragar meu dia o
penhor quitou a conta da luz. E sobrou grana para um cafezinho no Copacabana.