Athos Ronaldo Miralha da Cunha
O ambiente do penhor estava lotado – tinha gente
saindo pelo Demostenes ou pelo Dirceu, como queiram –, mas duas velhinhas
aparentando 70 anos com rostinhos de 67 se destacavam no meio da plateia pela
indumentária que usavam. Ambas vestiam um preto total, muito além do básico, de
alto a baixo. O que as diferenciava era a cor do lencinho ao pescoço. Uma usava
lenço amarelo e a outra, vermelho.
O espaço destinado ao penhor estava lotado e o sistema
de senhas fora do ar: penhor e Lei de Murphy, tudo a ver!
Toda vez que eu gritava a próxima senha, torcia
para que as duas velhotas viessem ao meu guichê. Certamente, aquele atendimento
iria render. Isso era óbvio. Previsível. Quando chamei a senha 51, as duas
senhoras levantaram e eu imaginei que deveria ter sido uma boa ideia. Ao se
aproximarem, percebi que uma delas trazia um cãozinho no colo, justamente a
senhora do lencinho vermelho. Um cusquinho inquieto, mas silencioso. Antes de
eu perguntar o que fazia com um cachorro dentro de uma agência bancaria ela
falou.
– É o meu cão-guia. Eu digo que é meu cão-guia para
poder entrar nos bancos.
– Ela não é cega e o cusco não é cão-guia. Jeitinho
brasileiro, o senhor conhece – falou a do lencinho amarelo.
– Fecha essa matraca Maria Rosa! Ele é meu
companheirinho e, além do mais, o Osvaldinho é um cão francês.
– O pulguento francês é viralatô. Mas se escreve
viralateau.
Percebi que o clima entre as irmãs gêmeas era de rabugice
mútua. O cusco pulou para cima do guichê e vi que usava uma coleira vermelha. O
cusco era preto com patinhas marrons. A coleira combinava com o lenço da dona.
– E a senhora também não tem um cachorrinho? –
perguntei a outra, assim, do nada.
– Não, eu tenho uma gatinha. Uma amiga me trouxe de
Goiás.
– E ela usa uma coleirinha amarela – falei.
– Como é que o senhor adivinhou?
Não respondi, lógico.
Então, a Rosa Maria – uma chamava Rosa Maria e a outra
Maria Rosa – acabou com aquela ladainha de cusco francês e gatinha goiana e
outras baboseiras e colocou uma montanha de anéis, brincos, colares e pulseiras
em cima do guichê.
– É tudo ouro 32, quanto que a Caixa paga por eles?
A velhota me pegou no contrapé com a história de
ouro 32. E falei simplesmente que não existia ouro 32. No máximo ouro 24 e só
em barra. As joias são ouro 18...
– Como não! As minhas joias são tudo ouro 32.
– Mas... – e o cusco rosnou num francês que não
entendi, mas o recado estava dado.
Avaliei as joias e preenchi o contrato. E elas
saíram resmungando uma com a outra.
– Tu é muito grossa! Se o moço falou que não existe
ouro 32 é porque não existe.
– Sabe nada esse pirralho da Caixa. E vamos logo
que o Osvaldinho quer passear no parque.
2 comentários:
Nossa! Seus personagens do penhor são tão parecidos com os nossos clientes, só mudam os nomes.
Ouro 32. Morri de rir. Adorei o cachorro francês de coleira combinando com o lenço da dona. Muito original. Kkk Trabalhar no penhor é não ter rotina. Kkk
Postar um comentário