terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A senhora dos anéis *

O expediente bancário teve início às 11:00hs, pois era uma morosa quarta-feira de cinzas. Tudo ao redor parecia estar meio sonolento. Uma providencial caneca de chá de boldo estava a disposição para uma momentânea reanimação.
Em minha frente, sentada pacientemente, uma simpática senhora, há muito mutuária dos penhores da caixa, se orgulhava de possuir o contrato mais antigo de nossa agência, as moedas de ouro mais raras da cidade e as jóias mais valiosas de sua tradicional família de imigrantes italianos. As moedas, herança de seu avô, que as havia recebido de uma escrava que tinha comprado a liberdade. As moedinhas de ouro viajaram pela árvore genealógica desde o império. Um tesouro inestimável. Era o seu comentário acerca do valioso valor numismático de suas libras e ducados.
De repente começou a tecer comentários sobre o seu saudoso esposo e da falta que o velho Olavo fazia.
- Um cavalheiro, educadíssimo, uma excelente pessoa, decente, tinha um coração muito grande, pena que partiu muito cedo. Um homem bondoso. Em todos os meus aniversários me presenteava com jóias. Imagina! Uma jóia por ano. Ainda posso vê-lo chegando com uma caixinha decorada, um buquê de rosas vermelhas, as minhas prediletas, e um cartão. Como era romântico o Olavo!
O Olavo foi o personagem do interminável monólogo elogioso em nossa frente. Dona Benvinda até esqueceu das suas raras e maravilhosas moedas do século XIX.
- Este anel eu ganhei quando completei 25 anos, foi a primeira e mais linda das jóias que o Olavo presenteou-me. E nós já estávamos casados há sete anos. Esta aqui quando eu completei 26 anos... não, esta foi nos 28. Aquela ali foi nos 26, o brinquinho de esmeralda nos 27 e o anel solitário nos 29. O colar de pérolas nos 30, a gargantilha nos 31... quanta saudade. Aquela pulseira berloqueira nos 32...
- Dona Benvinda, com que idade a senhora está?
- Moço!!!!
- Desculpe-me.
- Onde eu estava... a sim, aquela pulseira de ouro branco com diamantes, nos 33, o anel de rubi nos 34... os brincos de pérola nos 35... o solitário de um quilate nos 36... o camafeu nos 37...
E o expediente recém estava começando.

* Crônica classificada no 12º Concurso Histórias de Trabalho 2005.

Um comentário:

Carol disse...

Muito boa essa estória. Parabéns por seu talento!!! Um feliz natal!