quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

O senhor conheceu o Getúlio?

Essa foi a pergunta que a mutuária fez após tecer rasgados elogios ao ex-presidente e maldizer o mês do cachorro louco. Estávamos no dia 06 de agosto e lamentávamos as vítimas das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki no Japão há mais de 60 anos.
Mas o questionamento me pegou no contrapé. Com a guarda baixa e meio desatento. Afinal, era a primeira cliente do dia.
- O senhor conheceu o Getúlio?
Pensei em responder, de pronto, que havia sido amigo de infância de Getúlio Vargas, que tinha jogado bolinhas de gude lá na fazenda Itu, que até pelas barrancas do rio Uruguai havíamos andado juntos, mas a minha reação foi, apenas, um seco e engasgado. - Hein!!??
Ela continuou com seus acalorados elogios ao Getúlio Vargas e ao glorioso partido trabalhista.
- Quando o Getúlio morreu houve uma comoção no Brasil. O país inteiro chorou. Eu fiquei uma semana lamentando sua morte. Sabe... eu perdi um pai. – comentou chorosa.
O que eu achei lastimável.
Ela dissertou sobre os feitos do Pai dos Pobres e que nem as mortes de Airton Sena e Tancredo Neves e as comemorações do Penta colocaram tanta gente nas ruas como a morte do Gegê. (O Gegê ela falou suspirando, com a voz embargada).
“E nem o Médice eu havia conhecido...” – retruquei em pensamento.
Quase em prantos, mas com os olhos marejados pela saudade do ex-presidente trabalhista foi-se com seu penhor de R$ 350,00.
Impressionado com a pergunta da cliente. O senhor conheceu o Getúlio? Fui direto ao encontro de um espelho inspecionar a minha fachada. Tudo bem. Não sou um Leonardo Di Caprio, um Tom Cruise, mas também não sirvo para Derci Gonçalves. Tenho os cabelos nevados há mais de cinco anos e um cavanhaque mesclado entre o preto e o branco e feições de um velho rabugento. Será que eu estou meio acabadinho?
Ela me chamou de velho, mas também relegou uma certa importância, afinal, quem conheceu Getúlio, não poderia ser um qualquer. Diante de um juiz eu não seria um pé de chinelo. E esse foi o meu único consolo.
Dois ou três atendimentos posteriores uma senhora, dona de um laboratório fotográfico, me oferece um brinde de umas fotos 20x25.
- Leve seus netos lá que a gente bate umas fotos bem bonitas.
“Que fase!!!” - pensei cá com os 150 botões da minha bombacha preta. Tive a impressão que as palavras seus netos tiveram uma ênfase irônica.
O final do dia ainda me reservaria algumas emoções no âmbito da terceira idade.
Um pedreiro que foi fazer o conserto de uma porta lá em casa, perguntou para minha esposa se ela era minha filha.
É claro que minha esposa ficou radiante. Saltitante e com um sorriso de orelha.
- Ganhei o ano!! Ganhei o ano!! Ganhei o ano!! – esbravejava casa adentro.
O serviço custou R$ 20,00 e ela pagou R$ 70,00.
Uma Mega-sena acumulada não causaria tanta felicidade. O que faz umas simples palavras na mente de uma mulher! Uma semana após todo o bairro sabia que ela era minha filha. Eu achei que o tal fulano deveria ser um portador de necessidades especiais. E fiquei preocupado com o prumo da porta. Ofertá-lo com uma consulta ao oftalmologista poderia ser a minha contrapartida.
Alguém aí conheceu o Getúlio? Médice? Collor?
Preciso, urgentemente, de uma receita caseira do Grecin 2000.

2 comentários:

Aguinaldo Medici Severino disse...

athos meu caro, como vais?
acabei de voltar de viagem. parabéns pelo novo blog e pelas histórias. este penhor deve ser mesmo hilário.
sucesso para ti e inté a próxima.
abraços. aguinaldo.

Rejo Friedrich disse...

Cara, muito bons os teus textos, estou impressionado. Misturam humor, informações e o ambiente peculiar do trabalho. Um abraço. Rejo.