terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A canetinha rosa do guasca *

A Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos ocorreu entre os anos de 1835 e 1845 por essas bandas do sul do Brasil. Naquela década sangrenta os gaúchos se rebelaram contra o Império. Num audacioso 20 de setembro deram início a revolução, num 11 de setembro proclamaram a República Rio-grandense e num mormacento fevereiro, 10 anos após, assinaram a paz de Ponche Verde nas planuras de Dom Pedrito.
Então, em todos os meses de setembro os gaúchos resgatam lembranças da epopéia farroupilha. Heróis farrapos como Bento, Netto, Garibaldi, Anita, Canabarro e tantos outros são reverenciados em músicas e versos nos galpões, nos CTG’s, nas escolas, enfim, nos rincões do Rio Grande por onde sopra o Minuano ou onde estiver um gaúcho em qualquer parte dos quatro cantos do mundo.
Os jornais estampam reportagens sobre os revolucionários de 35 e no dia 20 ocorre o desfile da gauchada orgulhosa de seus antepassados que são lembrados como os centauros dos pampas. Os garbosos cavalos batem cascos e cagam pelas avenidas afora. Que mal faz o cheirinho de uma verdejante bosta diante da importância da manifestação tradicionalista?
Nas repartições públicas, bancos, lojas e nas entidades civis os funcionários trabalham pilchados. Os novos centauros dos gabinetes e escritórios ostentam a campeira indumentária. Alguns, ainda mais orgulhosos, exibem certificados de sua farrapa descendência. Até o “tchê” é precedido de um carregado “mas bah!” para autenticar a momentânea, mas acintosa grossura guasca-pampeana.
Dirijo-me a uma instituição bancária para assinar um contrato de empréstimo pessoal. O funcionário, alegre e muito gentil, começa o atendimento. Estava trajado a rigor para a semana festiva em questão. Calçava botas com chilenas prateadas, usava uma bombacha preta, uma camisa branca e um lenço vermelho ao pescoço que identificava sua tradição de maragato ou um fanatismo gaudério pelo Internacional e uma guaiaca comprada lá no Uruguai. Um chapéu às costas, preso pelo barbicacho, era um detalhe especial.
- Buenas tardes! - cumprimentou-me com um genuíno jeitão missioneiro.
- Buenas... – respondi com um jeitão, também missioneiro, de quem nasceu em Santiago do Boqueirão.
Casualidade ou não, mas o gaudério ali em minha frente, possuía um volumoso bigode de causar inveja ao Paixão Cortes.
Antes de assinar o contrato, solicitei ao escriturário guasca para mostrar-me a data do vencimento. O gaúcho com aquele baita lenço e escondido atrás do bigodão, saca a sua poderosa adaga farrapa: uma caneta. Ou melhor, um salientador, e faz uma marca fosforescente rosa no meu contrato, indicando a data.
A mim pareceu meio esquisito e contraditório. Um “gaúcho-dos-quatro-costados”, falquejado no lombo dos baguais, com uma canetinha rosa-shocking para salientar contratos.
Não pude deixar de brincar com o vivente.
- Tchê louco! De bombacha... mas com canetinha rosa. - deixei a frase no ar.
Tasquei minha assinatura no papel enquanto o bombachudo rodopiava a canetinha rosa entre os dedos, pensativo.

* Crônica classificada no 13º História do Trabalho 2006.

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